25 de fev. de 2013

Especialistas questionam comportamento de usuários "felizes" no Facebook


Estudos revelam que mais de um terço dos usuários da rede social enfrenta sentimentos negativos

ITAMAR MELO E MARCELO SARKIS

Neste exato momento, um amigo está curtindo férias espetaculares no Caribe, outro vive dias de paixão tórrida com a namorada nova e um terceiro comemora uma promoção no emprego. Os filhos do vizinho só tiram 10 na escola, o colega de trabalho comprou um carrão importado e o cunhado está se esbaldando no restaurante mais badalado da cidade.

Quem depara com esse mundo encantado de felicidade e conquistas chamado Facebook pode ter a sensação de que o português Fernando Pessoa (1888-1935) recém havia conferido as últimas fotos e posts de seus amigos na rede social quando escreveu os versos famosos do Poema em Linha Reta:

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

A verdade é que não falta gente vil, errônea, triste, solitária e estressada, mas se uma hecatombe destruísse o planeta e por alguma razão insondável preservasse deste princípio de milênio apenas as páginas do Facebook, os historiadores do futuro seriam forçados a concluir que desfrutamos de uma era dourada, em que todo mundo era feliz, bonito e muito festeiro. No maior dos sites de relacionamento, com mais de um bilhão de usuários, as pessoas estão usando a chance de editar suas vidas para oferecer um best of sem fim de si mesmas.

- Quando a pessoa vai para a rede, transforma-se em um personagem, com conotação positiva. O Facebook tem ferramentas que estimulam a revelar o estado atual, então o usuário acaba delirando. Como os amigos só põem coisas bonitas, a pessoa vai botar também, para ser bem avaliada e curtida. Faz parte da natureza humana essa necessidade de reconhecimento, mas cria-se um ambiente que não é real - avalia a especialista em mídias sociais Beth Saad, da Universidade de São Paulo (USP).

O problema é que quem navega por perfis feitos só de alegrias e bons momentos acaba chamuscado. Um estudo de duas universidades alemãs, divulgado em janeiro, revelou que mais de um terço dos usuários do Facebook enfrenta sentimentos negativos, como frustração, depois de visitar os perfis dos amigos. Os pesquisadores concluíram que a exposição a cenas explícitas de sucesso e lazer transformou a inveja em moeda corrente na rede social, conduzindo a um clima de insatisfação com a própria vida.

- O impacto não é porque a vida dos outros é boa, mas porque parece que é só boa. Há a impressão de que os outros têm milhares de amigos e só se divertem. Quem vê isso, pergunta: porque a minha vida não é assim? Começa uma comparação, que faz a pessoa se sentir mal, ter baixa autoestima, questionar a própria vida. O que falta é perceber que não dá para medir a felicidade do outro pelo que está na rede - observa a psicóloga Luciana Ruffo, do núcleo de pesquisa de psicologia em informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

O ambiente de felicidade geral da nação empurra muita gente a abraçar o "facembuste" para se sentir normal. Essa é uma explicação para o aparente sucesso do site www.namorofake.com.br, que já virou notícia internacional. No serviço, é possível alugar uma ficante (R$ 10 por três dias), uma ex (R$ 19 por sete dias) ou uma namorada (R$ 39 por sete dias) para chamar de sua no Facebook. Ou melhor, Fakebook, já que as namoradas são só para consumo externo.

O site diz negociar perfis reais de mulheres atraentes que, durante o período previsto em contrato comunicam ao mundo estar em um relacionamento com o cliente - e ainda postam uma quantidade pré-determinada de comentários babosos no perfil dele. Nas últimas semanas, quem acessava o site era informado de que todas as namoradas estavam ocupadas.

Hanna Krasnova, da Universidade Humboldt de Berlim

"Trata-se da espiral da inveja"
Uma entre os autores do estudo alemão que identificou sentimentos de inveja e insatisfação provocados pelo uso do Facebook, a pesquisadora Hanna Krasnova concedeu entrevista por e-mail a Zero Hora. Ela afirma que as comparações por meio de postagens no Facebook podem afetar, de forma negativa, o nível de satisfação pessoal Confira, ao lado, trechos da entrevista:

Zero Hora - Que tipo de coisa mais causa inveja nos perfis de amigos no Facebook?

Hanna Krasnova - No primeiro dos nossos estudos, realizado com mais de 300 pessoas, descobrimos que cerca de um quinto (21,3%) das situações recentes que haviam provocado inveja nos participantes, incluindo situações online ou offline, ocorreram dentro do Facebook. Os participantes relataram invejar principalmente posts de viagens e de lazer de seus amigos, seguidos de informações relacionadas com interação social. De forma geral, os temas que desencadeiam inveja estão em consonância com o tipo de dado mais publicado. Postar fotos de viagem é algo muito popular. Além disso, o Facebook permite observar de perto as relações sociais dos amigos. É fácil, por exemplo, comparar o número de curtidas e de comentários que um post nosso gera com os de outras pessoas, o que pode provocar inveja.

ZH - Essa inveja faz as pessoas mentirem nos perfis sobre o seu próprio nível de felicidade? Esse seria um motivo para a sensação de que todo mundo é feliz e perfeito no Facebook?

Hanna - Uma vez que sentir inveja é desconfortável, o invejoso vai tentar responder a isso. É aí que aprimorar a forma de se apresentar na rede surge como uma importante estratégia para lidar com o problema. Como resultado disso, os usuários podem reagir construindo um perfil mais positivo de si mesmos nos sites de relacionamento, o que, em contrapartida, causa inveja em outras pessoas. Trata-se da chamada espiral da inveja.

ZH - A frustração que as pessoas sentem quando olham o perfil dos amigos no Facebook podem ter consequências sérias em suas vidas?

Hanna - Com base em uma pesquisa em que acompanhamos mais de 200 usuários do Facebook, conseguimos estabelecer uma ligação entre a inveja despertada quando a pessoa está no Facebook e a satisfação geral com sua vida. Na verdade, o uso passivo do Facebook faz crescerem emoções desagradáveis que, por sua vez, afetam de forma negativa o nível de satisfação pessoal.

Flávio Estevam, criador do namorofake.com.br

"Ajuda a impressionar mulheres"
Desde que criou o serviço que aluga namoradas falsas para uso no Facebook, em janeiro, Flávio Estevam não tem sossego. São tantos pedidos de entrevistas, inclusive de grandes veículos estrangeiros, que o empresário de 32 anos precisou contratar uma assessoria de imprensa para organizar a agenda. Morador de Campo Grande (MS), ele conversou com ZH por telefone:

Zero Hora - Como surgiu a ideia de criar o aluguel de namoradas falsas?

Flávio Estevam - Eu estava acompanhando um amigo próximo passar pelo fim de um relacionamento. No Facebook da ex dele, começaram a aparecer muitos comentários e fotos dela se divertindo com outras pessoas. Meu amigo queria fazer o mesmo, para deixá-la com ciúmes. Passou a postar coisas sobre uma namorada inventada, mas como ela não existia, não tinha nada para mostrar. Foi nisso que eu tive a ideia de um serviço que oferecesse um rostinho e um perfil para resolver o problema.

ZH - Qual a motivação de quem aluga uma namorada fake virtual?

Estevam - As razões principais do usuário são se tornar mais popular ou provocar ciúme na ex ou em alguém em quem ele está interessado. O serviço ajuda a ter status de pegador e a impressionar as mulheres.

ZH - A necessidade das pessoas de mostrar no Facebook que são felizes e estão curtindo demais a vida colabora para o interesse?

Estevam - Com certeza. A gente sabe que as pessoas sempre postam coisas que não estão acontecendo. O cara coloca uma foto antiga na balada, no meio de gente bonita, mas é mentira, na verdade ele está em casa na maior deprê. Isso é muito comum. Com nosso serviço, encontramos uma forma de tornar a mentira convincente.

ZH - O serviço tem quantos usuários?

Estevam - Não posso informar isso. Está sempre mudando. Existe uma fila grande de usuários aguardando. Temos também mais de 2 mil candidatas a namorada fake à espera de análise do perfil.

ZH - Quando contrata uma namorada fake, o usuário paga para que ela faça um determinado número de comentários. Como isso funciona?

Estevam - Os comentários são escritos pelo cliente. Ele os envia para a namorada falsa postar.

Fonte: Zero Hora

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